A pobre menina feliz



Idade: 10 anos

Nacionalidade: brasileira

A menina era tão pobre, mas tão pobre que não tinha nem sobrenome. Seu nome era simplesmente Fabiana. Vivia com a avó de 80 anos. O vizinho mais próximo morava a uns 6 km de distância. O que Fabiana via todas as manhãs ao acordar eram apenas montanhas, pois o sítio onde morava era um verdadeiro grotão afastado de tudo e de todos. Para chegar à cidade mais próxima tinha que andar a pé aproximadamente 10 km até o ponto de ônibus. Depois andava cerca de três horas e meia sacolejando pra lá e pra cá, pois a estrada era cheia de buracos e de curvas muito perigosas. Em temporada de chuva era impossível ir à cidade, mas podia contar as vezes que a pobre menina tinha ido até lá. 

Ela aprendeu a ler nos jornais que utilizava como papel higiênico. Nunca entrou numa escola nem para fazer turismo, aliás, ela nem sabia o que era isso, mas viajava nas leituras quando ia na “privada” e às vezes demorava tanto que sua avó batia na porta pra ver se estava tudo bem. 

Suas roupas eram feitas pela própria avó, a maioria delas eram de lençóis velhos, outras de toalhas de mesa. Quando começavam a rasgar demais de tão surrados, ela com sua habilidade conseguia dar um jeito e confeccionava tudo à mão. Fabiana nunca usou uma sandália daquelas famosas que não convém citar o nome aqui, pois não aceitei o patrocínio da marca apesar da insistência, pois sabe que meus contos alcançam nos primeiros minutos de postagem a marca de dois milhões de acessos. Ela usava os legítimos chinelos feitos de pneus de carro mesmo. Mas preferia andar descalça.

Nunca via aquela menina triste. Brincava com bonecas feitas de sabugo de milho. Não conhecia televisão, muito menos internet. Só pelos jornais, mas estes demoravam muito a chegar. Só quando sua avó ia a cidade fazer compras. Viam embalando alguns produtos. Ela ficava ansiosa mais pelos jornais do que pelos produtos. Nem se importava tanto com as balas que sua avó trazia, até porque trazia as piores. Ela não era ruim para a neta, mas sempre economizava em suas compras. 

Fabiana nunca pedia nada a Deus, mas também nunca ouviu falar dele. Nem nos jornais. Sua avó nunca o mencionou, nem mesmo sei se era ateia ou não, mas a menina trazia dentro de si uma fé tão viva que a fazia acreditar em sua felicidade e isso lhe dava segurança e aquele sorriso sempre alegre no rosto. Mas um dia aquele sorriso emudeceu e aquele rosto conheceu as lágrimas. Ficou sozinha no mundo. Acordou e viu que sua avó estava dura ao seu lado. Mesmo assustada tomou todas as providências. Nunca tinha visto um defunto. Muito menos dormido ao lado de um.

À tarde daquele mesmo dia ela viu sua avó pela última vez. Ficou olhando o caixão seguir puxado pela carroça até desaparecer na curva, mas não passou pela sua cabeça inocente o que seria dela sozinha naquele grotão. Sua preocupação era apenas com o destino de sua avó. Para onde estava indo? O que seria dela? Apesar dos dez anos de idade não entendia muito bem a morte, mas será que os adultos entendem?

O vizinho que a ajudou no velório não a deixou sozinha naquela casa. Levou-a consigo e um mês depois apareceu um tio dela. Apesar de não querer ir com ele, acabou partindo por obediência e foi morar na capital. Ficou assustada com tantos prédios, com a agitação das pessoas pelas ruas. Aos poucos foi se habituando, tomando gosto pelas novidades que lhe eram apresentadas, conheceu a televisão, a internet, a moda... Conheceu também o desejo de possuir. Às vezes passava horas olhando vitrines e sonhando com aquelas roupas, com aqueles sapatos, brincos, bolsas... 

Na escola conheceu crianças de todos os tipos e fez amizade com alguns. E em pouco tempo seu semblante não era mais o mesmo. Naqueles lábios sorridentes agora só o batom chamava a atenção. Fabiana passou a possuir coisas que ela nunca nem sonhou que existisse. Frequentava lugares requintados. Seu tio lhe dava o melhor que podia oferecer. E muitas vezes cercada de tantas pessoas a pobre menina, agora não tão pobre se sentia mais sozinha que quando morava apenas com a avó naquele “fim de mundo” como muitos chamavam.

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