O peso das palavras


Naquele dia eu acordei com vontade de matar alguém. Tinha sede de sangue e violência. Minha carne tremia, meu rosto estava rígido como uma rocha. Eu estava cansado de me sentir impotente. Nada em minha vida dava certo, todos ao meu redor prosperavam e eu continuava com a vida medíocre de sempre. Levantando de madrugada e indo trabalhar na padaria da esquina para ganhar um mísero salário mínimo. Estava cansado de ser rejeitado, de ser o coitado, o infeliz, o desafortunado, enfim, cansado de receber todos esses adjetivos e outros tantos. Todos os meus empreendimentos davam errado. 

Tinha dormido mal à noite de tanto pensar nas minhas derrotas. Pensava em realizar muitas coisas, mas tudo que eu começava não ia para frente, parecia que eu estava fadado a passar o resto de minha vida enrolado naquelas massas de pão. Não tenho nada contra os padeiros, mas eu queria ser artista. Na verdade queria ser cantor. Diziam que eu cantava até bem, mas no chuveiro. Ninguém me dava valor nem me incentiva. Até minha família debochava quando eu lhes falava dos meus sonhos. Pediam para eu acordar e me contentar com o meu emprego.

Tudo isso foi me aborrecendo. Aos poucos fui me fechando e criei meu próprio mundo. Comecei a ver em cada pessoa um inimigo, alguém pronto a me devorar. E outras vezes me sentia totalmente invisível. Parecia que ninguém dava atenção ao que eu fazia. Eu entrava e saia dos lugares sem ser notado, sem receber um bom dia. Sei muito bem que minha aparência física não é de nenhum galã de novelas, mas sempre fui educado e cordial com as pessoas. Diziam que eu era o patinho feio da família.

Então peguei o revólver do meu pai e sai disposto a chamar a atenção. Era meu dia de folga. Decidi que iria até a padaria e descarregaria aquela arma em todos que lá estivessem. Com certeza eu viraria notícia no mesmo instante. Todos iriam me notar, iriam falar sobre mim e cada um argumentaria sobre os motivos de tal barbaridade. Até imaginei a manchete nos jornais: JOVEM DE 22 ANOS INVADE PADARIA NA ZONA SUL E DISPARA VÁRIOS TIROS. 

Parei do outro lado da rua em frente a padaria, em um ponto de ônibus. Várias pessoas aguardavam o circular. Pensei em mudar meu foco, mas a manchete já estava pronta na minha cabeça. Fiquei observando e quando tinha um número bom de pessoas eu resolvi atravessar. Ao por os pés no meio fio, alguém segurou meu braço com força. Virei assustado. Era um senhor de uns cinquenta e poucos anos. Ele estava amarelo e suando frio. Eu não o tinha visto naquele ponto. “Ajuda-me!”, foi a única palavra que me disse, pois desmaiou logo em seguida. Eu o peguei nos braços. Não sei como aguentei. Fui em direção à rua e pedi socorro. Imediatamente parou um carro e nos levou até o hospital mais próximo. A atendente me perguntou se ele era meu pai, respondi que nunca o tinha visto. Ela me olhou encabulada. Pediu os documentos dele, mas eu não encontrei nada em seus bolsos, então pedi que colocasse meus dados. Ela balançou a cabeça em sentido negativo e disse que depois pediria que ele trouxesse.

Eu não sabia por que mas só arredei o pé do hospital depois que aquele senhor acordou. Ele me olhou nos olhos e disse: “Acredita em anjos?” Eu nada respondi e ele continuou: “Você é um deles” Eu me afastei dele por um instante e quis sair do quarto, mas uma força maior me fez voltar.

- Obrigado, respondi. 

Aquele senhor se sentou na cama e disse:

- Chega mais perto Lucas.

Abraçou-me forte e eu comecei a chorar compulsivamente em seus ombros. A minha barriga tremia. Como sabia meu nome? Os soluços chamaram a atenção dos enfermeiros que vieram ao quarto. Eu me virei para eles enxugando o rosto e disse que estava tudo bem. Eles me olharam perplexos, um deles mediu minha pressão e depois se retiraram, mas não dirigiram nenhuma palavra ao paciente.

Saí de casa com a decisão de matar e acabei salvando uma vida. E até hoje ressoa em meus ouvidos aquela voz dizendo que eu sou um anjo. Na verdade o anjo era ele, pois me livrou de cometer uma loucura. 

Hoje sou casado, pai de quatro filhos maravilhosos, não me tornei cantor nem continuei na padaria, trabalho como representante comercial e minha única vontade é a vontade de amar sempre.

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