Sem redenção

Quando recebi a segunda chibatada eu olhei bem no fundo dos seus olhos como se dissesse: “bate mais, é só isso mesmo que você sabe fazer”.
Não derramei nenhuma lágrima e permaneci calada enfrentando-o com um olhar de decepção e ódio. Naquele dia ele chegou em casa e chamou minha atenção na frente dos meus colegas de aula, mas de um jeito doce, dizendo que minha bermuda não estava adequada para receber meus colegas. Estávamos fazendo um trabalho escolar. Eu dei de ombros e não me levantei. Então ele chamou lá da cozinha. Eu olhei para os meus colegas e fiz aquela cara de “lá vem bronca”. Mas continuei quieta, eu sabia que o meu silêncio o irritava e eu não queria perder esta oportunidade, pois estava perto dos meus amigos e ele não seria capaz de me bater na frente deles, pensei. Meus colegas ficaram apavorados e perderam o jeito de sair. Ainda bem. A Carla sussurrou para eu trocar a bermuda, mas eu sou muito teimosa. E eu sabia como irritá-lo, só não imaginava que tudo fosse acabar daquele jeito.


Ele apareceu na sala com o rosto fumegando de raiva e eu o olhei como se nada tivesse acontecendo e perguntei encarando-o: “O que foi?” Ele conhecia muito bem aquele meu olhar cínico e num ímpeto de ira arrancou o cinto da cintura e me desferiu um golpe nas costas que por pouco não acerta em Tomás. Todos se levantam assustados e com muito medo; ninguém seria louco de tentar impedi-lo. Eu tive vontade dizer muita coisa, de gritar, mas fiz exatamente o que mais o irritava, lancei aquele olhar de deboche, aquele olhar irritante. “Por que faz isso comigo?” Ele perguntou com voz chorosa e aí aconteceu o inesperado. 

Quando ele ergueu a mão para me dar a terceira chicotada seu rosto ficou tenso, colocou uma mão no peito e parecia sentir muita dor, caiu de joelhos ao meu lado. Meus três colegas de aula ficaram paralisados e eu comecei a gritar por socorro. Ele segurou minhas mãos e me puxou para junto dele. Sussurrando me pediu perdão, mas eu não tive tempo de dar a resposta. Tomás me abraçou enquanto Lídia se abaixou e ficou tomando o pulso do meu pai. Carla ligou para alguém e me trouxe um copo com água.

Infarto fulminante. Fiquei desesperada. Sozinha no mundo com apenas treze anos. Mentira. Não estou só. Tenho a culpa que me acompanha desde aquele fatídico dia. Por mais que me dizem o contrário não consigo me inocentar da morte do meu pai. Se eu tivesse sido um pouco mais obediente, se eu não fosse tão sem educação com ele, se eu fosse mais compreensiva, se eu o ouvisse, se… se… tantos “se”, mas nenhum deles me redime.

Juarez do Brasil
Imagem do Google

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