A colecionadora de diamantes




Girou a maçaneta e entrou porta adentro desejando viver o dia anterior. Não haveria dor nem lágrimas. Nem perda nem saudade. Haveria as carícias em sua face pela manhã sobre a cama macia que comprara um mês antes. Haveria troca de olhares, risos e beijos. Mas era preciso enfrentar
aquele dia, não poderia avançar nem retroceder. Um dia antes saíra de mãos dadas com Linda e no outro retorna de mãos vazias, um gosto amargo na boca, o coração apertado, ferido, e uma dor imensurável na alma, uma chaga que parecia não ter cura.

Heitor encostou-se à parede e sentiu o perfume da saudade penetrando suas narinas. Teve vontade de xingar os céus e tudo o que nele há. E xingou. Rastejou como um verme pelo chão e se contorceu sobre o tapete da sala exalando gotas de dor. 

Uma semana antes, ele e Linda viajaram em lua de mel. Namoraram cinco anos e estavam eufóricos com o novo estado civil: casados. A cumplicidade entre os dois era notável. Até os menos observadores percebiam. O casamento foi marcante. Heitor cumpriu todos os desejos dela. A festa foi encantadora. Muitos amigos, parentes. A alegria estava estampada em cada detalhe da decoração. Mal sabiam que dois dias depois todo aquele sonho se dissiparia. 

- Seremos felizes para sempre como nos contos de fada, dizia ela durante a viagem e abria aquele sorriso tão doce que o atraía a um longo beijo, como um beija-flor que vai em busca do néctar. 

Ela tinha um senso de humor fora do comum. Transformava o azedume do dia a dia em doces potes de geléia. Sabia como ninguém filtrar as conversas e guardar somente o que era bom. Já Heitor era um pouco explosivo, mas ela conseguia transformar suas explosões em confetes e os dois acabavam se beijando apaixonadamente após algum desentendimento. Dizia que a vida era muito valiosa, por isso colecionava diamantes e dispensava as pedras comuns.

- Meu amor - ela dizia a Heitor - pra que guardar rancor? Esse sentimento é muito egoísta sabia? Quando entra em nosso coração não cede espaço pra mais nada. Por isso prefiro guardar o amor, pois o amor é solidário. - E sorria beijando-o na testa.

No segundo dia da lua de mel os dois passeavam de mãos dadas pelas ruas, quando ela tirou o celular da bolsa e ligou para sua irmã mais nova. “Estava me esquecendo do aniversário dela. É hoje”, disse enquanto ouvia o som da chamada. Mas não deu tempo. Logo o celular voou longe e Heitor se viu ajoelhando em volta do seu corpo estirado no chão. Um tiro certeiro em sua testa. Pessoas passaram correndo perto deles. Fugiam do tiroteio entre polícia e bandidos.

Heitor colocou a cabeça dela em seu colo e disse que a amava. Teve a impressão de que ela esboçou um sorriso e guardou-o na memória. Esperou pela frase que ela sempre lhe dizia: “Eu sou do meu amado pra sempre”, mas seus lábios não se mexeram. Acabou ali naquela poça de sangue os seus sonhos de uma vida feliz.

***

Sabe que nada a trará de volta, por isso ergue-se do tapete e lembra do otimismo de Linda. “Guardar diamantes”, “Guardar amor.” “Bom humor sempre.” “A vida é preciosa, não passe por ela como uma reles pedrinha de beira de rio.” Tantas frase lindas colecionadas ao longo daquela convivência harmoniosa vieram à tona. “Não importa como tudo terminará, importa que nos amamos mutuamente” “A morte não me assusta, o que me assusta é o medo de não ser amada”

Ele secou as lágrimas e mirando uma foto de Linda lembrou-se do dia do casamento. Logo após a cerimônia ela virou para os convidados e disse com aquele sorriso triunfante: “Estou tão feliz que já nem sei se estou na terra ou no paraíso.”

Imagem:http://camilapigato.wordpress.com/

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