A minha tia certa vez contou-me uma história muito
intrigante, e por que não dizer louca, horrenda. No interior de Minas Gerais,
bem precisamente nos arredores de Conselheiro Pena morava uma família muito
severa, daquelas que faziam de tudo para manter os bons costumes, ou pelo menos
para manter as aparências. Era uma família respeitada, de muita posse, de nome,
como se dizia na região.
O
pai era do tipo daqueles que filha não podia sair de casa, filho tinha que
casar com a moça que ele escolhia e por aí afora. A mulher submissa em todos os
sentidos, não tinha direito de escolher nem as próprias roupas, sapatos... o
gosto dele prevalecia, mas era um homem honrado, bom, ajudava as pessoas,
pagava suas contas em dia, cumpria com suas obrigações de cidadão, pagava
impostos e tal.
A
filha mais velha nunca saía sem a companhia do pai, da mãe ou de um dos irmãos.
Andava como um animal, assustada e se levantasse a cabeça, levava logo uma
retrucada: _ “Tá querendo olhar o quê?”
Ia somente à igreja, à casa da avó e da madrinha, e raramente ia a algum
baile. Tinha uma beleza secreta, que poucos rapazes se atreviam a descortinar
com seus olhares voluptuosos. A pele morena, bronzeada pela lida na roça, o
cabelo maltratado, mas com um brilho de imortalidade, os olhos ativos, embora
enclausurados pelo pai: _ “moça tem que andar de cabeça baixa, tem que olhar
nada não, só onde pisa” dizia ele.
E
assim a vida daquela família seguia, somente o filho mais velho havia casado,
já com 21 anos. Depois dele vinha Eleonora, a bela de 20 anos, João de 18, Marcos de 17, Sebastiana de 15.
Em cada olhar uma esperança, um desejo escondido, reprimido...
Eleonora
um dia encontrou o amor, um jovem bonito, experiente, filho de um fazendeiro da
região, que tinha ido estudar fora. Fez Agronomia, voltou para casa, iria
cuidar dos bens do pai. Sem medo aproximou-se dela e disse: _“Nunca vi alguém
tão linda nem lá na cidade grande.” Ela esboçou um sorriso e tratou de sair de
perto dele, antes que seu pai ou algum irmão a visse. Voltou para junto de sua
mãe, e continuou a ajudar na quermesse. Vez ou outra olhava o jovem rapaz, e
sentia vontade de ouvir mais palavras dele. Nunca ouvira algo tão doce, tão
encantador, tão diferente. Estava acostumada a ouvir as velhas frases do pai:
“sua burra”, “ abaixe a cabeça”, “ eu te parto os miolos, te quebro no
chicote”, “ filha da ...”
Começaram
a se encontrar furtivamente. No mato, na casa de amigo dele, na beira da lagoa
à noite que fica nos fundos da casa dela. Sempre davam um jeito e o amor se
tornou muito forte entre eles. Tão forte que ela engravidou antes do tempo.
Ficaram apavorados. “Meu pai te mata!” _
“Não tenho medo!” dizia ele. _ “ Não
quero marido morto! Você não conhece meu pai! Ele te castra, mata e joga sal. É
capaz disso, não duvide. Comigo fará ainda pior.
Alfredo,
o rapaz acabou indo embora de tanto Eleonora insistir, antes que o pai
descobrisse tudo. Não teve coragem de enfrentar. Ela resolveu abraçar tudo
sozinha, mesmo amedrontada. Sabia que sofreria as piores dores, mas estava
disposta, nada tiraria os momentos marcantes que passara ao lado de Alfredo,
pensava. Doce engano. Nada poderia compensar o que seu pai havia preparado para
ela tão logo descobriu a gravidez.
Espalhou
–se a notícia da doença contagiosa de Eleonora, ninguém a poderia visitar,
ficou trancada num quarto escuro durante o tempo da gravidez, sem direito a
escolher o que comer ou beber. Tornou-se uma prisioneira, e o filho já tinha
destino certo, e todo dia ao vê-la exclamava: “Vergonha da família!” e
costumava completar com frases do tipo: “vai parir este filho, mas ele jamais
terá você!, nunca o terá nos braços” _
“Mata-me!, prefiro” dizia. _ “Não posso, você será um milagre, mas seu filho
será uma sombra”
Durante
o tempo em que esteve em cativeiro, só recebia o seu pai, nem os seus irmãos
souberam da gravidez, só a sua mãe sabia, mas era impedida de vê-la. E muita
gente ia visitá-los e indagar sobre a doença de Eleonora. Rezavam, levavam
remédios, choravam. “Parecia uma moça tão saudável”, diziam.
No
dia que a criança nasceu, foi o dia em que Eleonora sentiu a maior dor de sua vida. Era
quase meia noite. As dores do parto foram terríveis, mas suportáveis. Seu pai
pegou o recem nascido, um menino forte, mostrou pra ela e disse: _ Olhe bem,
pois é a primeira e a última vez que o vê. E amanhã a sua cura começa a surgir.
A notícia vai espalhar e dentro em breve o milagre acontecerá: você estará
totalmente curada.
Ele
enrolou a criança num lençol, abriu a janela, que dava para os fundos da casa e
disse para ela ficar olhando. Ele rapidamente saiu e seguiu rumo a lagoa. Olhou
para Eleonora, em meio a escuridão, que rompia-se timidamente por uma lua quase
imperceptivel, e em seguida atirou o
rescém nascido na lagoa.
Não
se ouviu um choro nem grito, mas a água parecia murmurar, e as árvores gemiam
pelo vento que soprou naquele momento. Eleonora debruçou-se na janela e o
pranto foi profundo. As lágrimas só cessaram ao raiar do sol, e naquele momento
morria junto com seu filho, e enterrava seu pai ao lado dele.
Com
o passar dos dias ela ficou louca, e passava horas e horas junto da lagoa
ouvindo a criança chorar. E diz a vizinhança que toda meia noite de sexta-feira
ouve-se um choro de criança vindo da lagoa, que faz qualquer um se comover.
Um
ano depois a mãe de Eleonora faleceu. Alfredo apareceu na ocasião do enterro,
compadeceu-se ao ver Eleonora louca, ela nem o reconheceu. Levou-a escondida
para a capital e internou-a, na esperança de tê-la de volta.
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