O Choro de Penélope




Naquele dia eu me atrasei um pouco. Na verdade atrasei mais de duas horas. Eu sempre passava lá às oito horas mais ou menos. Mas tive que resolver uns problemas antes de sair, levar meninos na escola, passar na padaria e... isso não vem ao caso. Mesmo se chegasse antes eu nada poderia ter feito.
Eu deixei o carro debaixo da árvore e segui a pé o resto do caminho, pois era apenas uma trilha que mal dava para andar de bicicleta. Estava um pouco frio, o céu nublado, mas não parecia que ia chover. 

Antes mesmo de avistar a casa ouvi o
choro de Penélope. Era um uivo tão triste e profundo que tocou o meu coração, mas eu jamais imaginei que veria aquela cena tão comovente. Segui o caminho normal, observando a paisagem muito bonita como sempre fazia todas as manhãs. Bem próximo à casa havia uma pedreira enorme e aos pés dela uma pequena floresta, se é que posso chamar de floresta. Talvez uma aglomeração de árvores. 

Atravessei a porteira que fica numa curva de onde se avista o curral. Vi algumas vacas ao redor. Elas berravam muito e os bezerros respondiam presos lá dentro. Então percebi que havia algo muito estranho. O choro de Penélope se misturava àqueles berros.

Acelerei meus passos e o coração começou a ficar agitado. Alguma coisa havia acontecido com meu adorável avô. Abri o portãozinho ao redor da sua casa, a qual é cercada de plantas frutíferas e de flores. Os passarinhos faziam uma algazarra em suas copas alheios ao que havia acontecido bem ali embaixo.

Ao passar por um corredor de coqueiros eu avistei a cabeça do vovô no chão e à medida que aproximei vi todo seu corpo estirado naquela terra fria; e ao lado dele Penélope estava deitada vigiando-o. Ela me olhou esperançosa e abanou o rabo lentamente sem demonstrar alegria, mas ao mesmo tempo eu sentia que ela estava aliviada por me ver.
Ela veio até mim e pulou nas minhas pernas, cheirou-me e depois voltou e ficou do lado do corpo de vovô.

Eu abaixei e tomei o pulso dele. Estava gelado e não havia sinal de vida. Lágrimas desceram pelo meu rosto e eu tive uma leve vertigem, mas logo passou. Não havia sangue ao redor e nem sinais de violência. Nem vestígios que ele tenha se debatido. Não sou perito, mas tudo indica que ele sentiu mal e caiu morto ali mesmo.

Eu já havia insistido tanto para ele vir morar comigo, mas ele dizia sempre que ali era o seu lugar, que não deixaria suas vaquinhas, suas criações, suas plantas. Ali ele se sentia feliz, ali era o seu lar. Então eu não falava mais sobre isso, mas todos os dias eu passava ali para pegar o leite. Na verdade era só uma desculpa para ver como ele estava.
Penélope chegou perto de mim e colocou a cabeça no meu colo. Eu a acariciei, ela soltou um uivo tão forte e longo que me fez chorar ainda mais. Eu perdi meu avô, mas ela perdeu seu dono. Com certeza estava se sentindo sozinha no mundo. Ela o acompanhava para todos os lados. Era sua companheira fiel, sua protetora.

Depois do funeral eu tive que tomar uma decisão muito séria. No meu condomínio não se aceitam animais. Como eu poderia deixar aquela cadela sozinha naquele sítio? Ela cuidou do meu avô até os últimos minutos. O que eu deveria fazer? Deixá-la à mercê das circunstâncias? Vendê-la? É apenas uma vira-lata, quem vai querer pagar? Doar?

Nos primeiros dias ela ficou lá na casa sozinha, mas eu levava comida todos os dias e ao me ver, ela fazia festa, pulava em mim, lambia meus pés. Quando eu ia embora ela vinha atrás de mim até o portão e ficava me olhando com aquela cara de tristeza, se é que cachorros fazem cara de tristeza. Meu coração doía, mas eu não podia levá-la comigo. Teve umas noites que eu acabei dormindo no sítio para não deixá-la sozinha. 

Eu não tive outro jeito, com o coração doendo tive que doá-la a um amigo que mora numa chácara. E eu confesso pra vocês, não há um só dia que não penso nela. Podem achar estranho, mas é que a cena de amor que presenciei naquele fatídico dia me tocou o coração. Penélope ficou o tempo todo vigiando o corpo do meu avô, só depois que eu cheguei ela saiu e foi fazer xixi. Sabe-se lá quanto tempo ela ficou ali do lado dele? E depois quando os peritos chegaram ela ficou brava, não queria que eles tocassem nele. Eu tive que fazer um esforço para acalmá-la e por fim parece que ela compreendeu que eles não estavam ali para fazer mal ao meu avô. Porém não saiu de perto, ficou ali como uma mãe protegendo sua cria. Não comeu nada naquele dia.

Eu sei que ela está muito bem cuidada, isso me tranquiliza, mas não me faz sentir melhor, pois ela não abandonou quem eu muito amei nesta vida, e eu me sinto como que a abandonei. Talvez seja sensacionalismo de minha parte, mas é assim que me sinto. Se vão me compreender eu não sei, mas peço, por favor, não me julguem.

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