Sua
cabeça pareceu quicar quando
bateu no chão. Antes que pudesse se levantar sentiu um pé esmagando seus testículos. Ele se contorceu e segurou nas pernas do agressor tentando se livrar dele, mas suas forças tinham se esgotado.
bateu no chão. Antes que pudesse se levantar sentiu um pé esmagando seus testículos. Ele se contorceu e segurou nas pernas do agressor tentando se livrar dele, mas suas forças tinham se esgotado.
Eu
observava tudo de trás de uma árvore. Dava para ver claramente os
dois. O que batia era meu vizinho, Arnaldo, um grande amigo. O outro
eu não conhecia, mas eu sabia que não merecia aquela surra que dali
a pouco acabaria em morte. Mas às vezes, a pessoa está no lugar
errado e na hora mais errada ainda. Então, se há culpado, é apenas
o destino que o jogou naquela situação.
Mas
o que me impressionou foi o ódio de Arnaldo. Na verdade compreendi
que a frase violência gera violência faz todo o sentido. Naquele
momento ele foi mais movido pelo ódio do que pelo amor pela sua
filha, pois ao invés de socorrê-la primeiro, preocupou-se em fazer
justiça com as próprias mãos, o que foi um grande erro, pois
vitimou um inocente. Tão inocente quanto sua filhinha Ananda, que
jazia ali no chão dando os últimos suspiros.
Enquanto
ele viu aquele homem respirar, ele o esmurrou. Só parou quando teve
certeza que nele não havia mais vida. Então se levantou, enxugou o
suor da testa com as costas das mãos e foi correndo pegar sua filha
no colo. O vestido dela estava empapado de sangue. Ele a levou para o
seu carro que estava a uns cem passos dali e partiu para o hospital.
Mas já era tarde demais. Os médicos não conseguiram reanimá-la.
Se
ele não tivesse sido dominado pelo ódio, Ananda estaria viva.
Porém, as coisas concorreram a meu favor, o que me deixa tranquilo.
Eu
levei a esposa de Arnaldo ao hospital, pois foi para mim que ele
ligou quando socorreu a filha.
Eu
o abracei e o consolei como fazem os melhores amigos. Só não
chorei. Mas fiquei o tempo todo ao lado dele e ajudei em tudo no
funeral. Melhores amigos fazem tudo um pelo outro. Principalmente nos
momentos difíceis. E tenho certeza que ele será grato pelo resto da
sua vida, por tudo o que fiz por ele naquele dia. Bom, exceto uma
coisa, a qual ele não precisa saber. Mas agora tenho certeza que a
vida dele vai melhorar. Ele tinha muitos gastos com Ananda. Vivia no
médico. Na verdade, o que fiz foi ajudá-lo a economizar. Com um
filho só e saudável como o Davi ele vai prosperar. Espero que não
arrume outro.
Fui
em casa tomar um banho antes do velório começar, e quando cheguei
na sacada dos fundos da minha casa, olhei para o quintal de Arnaldo e
tive um vislumbre de Ananda tomando banho de mangueira só de
calcinha. Ela jogava água pra cima e depois no Davi que apareceu só
de cueca com um carrinho de plástico na mão. Os dois riam e
brincavam com aquela mangueira durante horas. De repente ela sumiu e
eu só conseguia ver Davi. Ele acenou para mim chamando para brincar
com ele.
“Agora
não querido, pensei.”
“Deixa
papai se recuperar primeiro”
Entrei
no banheiro e fiquei pensando em Davi. Teria a pele macia como
Ananda? Será que se debateria tanto quando ela quando sentisse meu
corpo sobre ele? Será que me perguntaria: “O que está fazendo,
tio?” Será que também diria que não gosta desta brincadeira? Só
que não é uma brincadeira...
Comecei
a ficar excitado. Tomei o banho rapidamente e fui para o velório.
Tinha que estar o tempo todo ao lado do meu amigo. Meu melhor amigo
Arnaldo. Ele precisava de mim naquele momento, e eu precisava dele
para alimentar o meu ego. Como eu precisava.
Você
pode me achar um cara mal, mas não sou. Eu jamais iria matar a minha
menininha. Quem a matou foi o seu pai, pois se deixou dominar pela
ira e não pensou nas consequências. Eu só ensinei a ela como é
brincar de médico de verdade, de papai e mamãe... Acho que no fundo
ela até gostou porque cravou as unhas nas minhas costas.
Davi
veio correndo quando me viu e se atirou em meus braços. Eu
o apertei contra meu peito e beijei seu rostinho suave. Estava com
cheiro de bebê apesar dos seus seis anos. Coloquei-o de volta no
chão depois e... não interessa o que passou pela minha cabeça. Não
interessa o que eu pensei.
A
vida parece muito cruel para algumas pessoas, não é mesmo?
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